- Desassistidos, porque faltou assistência no início da pandemia e continua faltando, se considerarmos que cresceu o número de pessoas necessitando de atenção;
- Desautorizados, porque todos aqueles que ousaram lamentar suas perdas e expressar seu sofrimento publicamente, foram imediata e permanentemente desautorizados a fazê-lo, pela narrativa do governo federal, com argumentos que procuravam minimizar a crise sanitária e subestimar os danos;
- Desconectados, porque não houve e continua não havendo uma estratégia nem um chamamento maciço e emergencial de incluir digitalmente as pessoas portadoras de transtornos mentais, em especial migrando-as para teleconsultas, tanto na rede pública quanto na privada;
Quando a pandemia se instalou, paralisando todos os atendimentos médicos de pacientes ambulatoriais – psiquiátricos, inclusive – ficou claro que precisaríamos adotar, e rapidamente, novas formas de atenção. A portaria do Ministério da Saúde, autorizando a realização de teleconsultas, parecia ser a senha para todo o sistema de saúde se organizar e partir para a ampla adoção da telemedicina, tanto na rede pública como na privada. Tal fato não se deu, infelizmente. Por semanas e meses, grande parte dos serviços de saúde mental – bem como dos consultórios – simplesmente ficou fechada. Pacientes, em desespero, tentavam conseguir receitas por todo canto.
É importante lembrar que, dentre todas as especialidades médicas, a psiquiatria talvez seja uma das menos convertidas para os recursos digitais. Isso representou um imenso problema quando a gravidade da pandemia apontou para a necessidade do distanciamento social estrito, inclusive nos atendimentos médicos. A migração de consultas presenciais para teleconsultas seria uma consequência óbvia. Mas como fazê-lo se toda uma rede de serviços (públicos e privados) ainda operava com base em consultas presenciais? Um fator agravante entre nós foi a mudança de enfoque empregado pelo Ministério da Saúde que, seguindo as determinações da presidência da República, silenciou sobre medidas de proteção e, por consequência, nunca mais tratou do assunto “telemedicina”. Como apontei diversas vezes, não interessava ao governo fazer um chamamento pela realização de teleconsultas. A mensagem era clara: que todos fossem para as ruas, levassem vida normal…e ativassem a economia. Foi assim que a telemedicina, a despeito do grande avanço que teve a partir da pandemia, não se impôs como “padrão-ouro” para as consultas realizadas nesta grave crise sanitária. É evidente que grandes hospitais a adotaram e multiplicaram o número de atendimentos. É claro que dezenas e dezenas de empresas surgiram oferecendo plataformas de atendimento por vídeo e muitos negócios foram realizados. O que não se pode dizer que tenha ocorrido é a migração maciça (mesmo que temporária), dos atendimentos presenciais em psiquiatria para teleconsultas. Isso não ocorreu nem nas clínicas populares (que já atendem parcela significativa da população) nem muito menos no despreparado serviço público (CAPS e ambulatórios). Ainda que muitos colegas psiquiatras tenham se esforçado por atender à distância – até como forma de se protegerem do contágio – isso não representou nem tem representado parcela expressiva da assistência. Em resumo, podemos afirmar que sim, tivemos uma forte desassistência no início da pandemia (também observada noutras especialidades), situação essa que não mudou significativamente nos últimos meses. A diferença, para pior, é que temos agora uma população esgotada pela duração prolongada da pandemia, ainda sem vacinas e assustada pela possibilidade de vir a adoecer e não encontrar vaga em hospitais. Aqui cabe apontar, com preocupação, uma outra crueldade em cena, quando pessoas comuns não são autorizadas por seus líderes políticos a manifestarem sua dor e seu mêdo. Não há sequer mensagens de otimismo e união, em contraposição. O que há é falta de empatia e compaixão, expressa em cadeia nacional. Os efeitos disso na mente das pessoas? Só saberemos mais à frente…
O caminho contrário ao desastre que estamos presenciando consistiria então, basicamente, em:
- Assistir à todos que estejam com transtornos mentais, sejam eles agudos ou crônicos, anteriores ou não à pandemia, acolhendo as pessoas com empatia e compaixão e colocando todas tecnologias possíveis à disposição delas, no sentido de melhor atende-las e protegê-las do contágio. O mesmo se aplicando às equipes de profissionais dos serviços de saúde mental espalhados pelo país;
- Fazer um amplo e claro chamamento nacional para que as consultas presenciais, na rede pública e privada, fossem transformadas em teleconsultas, entendendo-as como a porção de responsabilidade que cabe ao setor saúde apresentar em apoio ao distanciamento social. A resultante deste esforço conjunto seria a disponibilização gratuita ou a custo reduzido de plataformas de telemedicina para consultórios, clínicas, hospitais e centros de saúde (públicos e privados).