Nada como estar atendendo pacientes em clínicas de verdade para ter a noção de quão longe ainda estamos do mundo ideal dos palestrantes e congressos de tecnologia. Eu percorro os artigos com aquela ponta de inveja, imaginando os profissionais que já podem estar usando as últimas inovações tecnológicas na área da saúde. Eu fico sabendo dos eventos que reuniram hospitais, grandes grupos e renomados pesquisadores. Quando acordo, estou diante de prontuários eletrônicos que parecem ter parado no tempo, antes que alguém sequer imaginasse o que seria um paciente interagindo ou o que seria uma medicina conectada. É desesperador. É como se algum estagiário de TI tivesse descoberto o jeito de importar umas planilhas do Excel e, com isso, o administrador da clínica pudesse então controlar os pagamentos dos convênios. E mais nada. Todo o resto é uma sucessão poluída e inútil de campos, abas, janelas e cliques que eu, médico, preciso percorrer, entre uma olhada para o teclado e outra olhada para a expressão do paciente, já acostumado com máquinas entre nós e eles.
Como eu sou uma pessoa de fé, sempre termino fazendo sugestões, conversando com alguém que possa talvez fazer chegar à casta do pessoal de TI minhas humildes observações. Chamam isso de UX, nome bacana para experiência do usuário. Há cursos e livros só sobre isso.
Volto para meu prontuário. Preciso registrar o último atendimento. Depois de meia dúzia de mexidas no mouse completo a tarefa. Isso não quer dizer que esse registro estará conectado a coisa alguma num infinito mundo digital que existe por trás de tudo que fazemos. Muito menos que os pacientes poderão ver, tocar, alterar, complementar ou retocar coisa alguma que eu tenha escrito sobre eles. Os prontuários eletrônicos da vida real seguem de costas para as meteóricas mudanças em curso, preferem o conforto de sonolentos sistemas, instalados em burocráticos computadores de acizentadas clínicas. Não saem para passear em dispositivos móveis nem conversam com ninguém pelo caminho. Quanta chatice.